PEÇA PRÁTICO-PROFISSIONAL: Manuel foi casado com Maria pelo regime da comunhão universal de bens por 50 (cinquenta) anos. Acabaram construindo um patrimônio comum de R$ 2.400.000 (dois milhões e quatrocentos mil reais). Da relação conjugal nasceram três filhos (José, Joaquim e Julieta), que, ao atingirem a maioridade civil, passaram a trabalhar com os pais na rede de padarias da família. Ocorre que Manuel faleceu, e foi necessária a abertura do processo de inventário-partilha para que os bens deixados pelo de cujus fossem inventariados e partilhados entre seus sucessores. José, Joaquim e Julieta, filhos maiores, capazes e solteiros do casal, objetivando resguardar o futuro da família e a velhice de sua mãe, procuraram o Dr. João, advogado conhecido e amigo de muitos anos de seu falecido pai, para receberem orientações acerca da sucessão e ajuizar o inventário. Contudo, o Dr. João sabia de um segredo e, em respeito à amizade que existia entre ele e Manuel, nunca o havia revelado para que a família se mantivesse unida e admirando o de cujus por ter sempre a ela dedicado sua vida. O segredo era que Manuel possuía um filho (Pedro) fora do casamento. Ele havia acabado de completar 13 (treze) anos e morava com a mãe. Manuel não o havia registrado, apesar de reconhecer a paternidade da criança para a mãe de Pedro e várias outras pessoas. Havia provas em documentos particulares, em pronunciamentos nas festas de aniversário de Pedro, além do fato de contribuir para o seu sustento, apesar de omitir a sua existência para a sua família legítima. José, Joaquim e Julieta disseram ao Dr. João que, para que sua mãe tivesse uma velhice tranquila e ficasse certa do amor, respeito e admiração que sentiam por ela e seu falecido pai, bem como da enorme união entre os seus filhos, optavam por renunciar à parte que cabia a cada um na herança, em favor de sua mãe. Assim, a mãe continuaria com todas as padarias, já que somente as receberiam e partilhariam entre eles após o falecimento dela. O Dr. João, considerando que todas as partes envolvidas na sucessão de Manuel eram maiores e capazes, ajuizou um procedimento sucessório adotando o rito do Arrolamento Sumário e elaborou termos de renúncia “em favor do monte” de José, Joaquim e Julieta, que foram reconhecidos como válidos judicialmente. Questionado pelos três sobre o porquê de não constar no documento, expressamente, que as partes deles estavam sendo doadas para a sua mãe, foi esclarecido que não havia necessidade, já que, como os seus avós não eram mais vivos, Maria acabaria por receber, além de sua meação, as cotas dos renunciantes, na qualidade de herdeira, diante da ordem de vocação hereditária da sucessão legítima prevista no artigo 1.829 do Código Civil, além de evitar o pagamento do imposto de doação, que incidiria no caso de renúncia translativa. Tal orientação foi dada acreditando que a mãe de Pedro manteria em segredo a paternidade de seu filho, o que não ocorreu. Em virtude disso, Pedro acabou por receber toda a herança avaliada no montante de R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais), ficando Maria apenas com a sua meação de igual valor. José, Joaquim e Julieta nada receberam, o que os abalou profundamente no âmbito emocional. Considerando todos os fatos narrados acima, a ocorrência de danos sofridos por José, Joaquim e Julieta em decorrência de orientação equivocada de seu então advogado (Dr. João) e o reconhecimento judicial dos direitos de Pedro no procedimento sucessório de Manuel, você, na condição de novo advogado contratado pelos filhos legítimos de Manuel para serem ressarcidos por todos os danos sofridos, elabore a peça adequada para pleitear os direitos deles.
Gabarito comentado pela FGV: A peça cabível será uma petição inicial direcionada para o Juízo Cível. Trata-se de uma ação indenizatória proposta por José, Joaquim e Julieta em face do Dr. João, com base na responsabilidade civil dos profissionais liberais, pleiteando danos materiais (cotaparte de cada um na herança de seu pai) e danos morais (decorrentes da dor, do sofrimento, da angústia e da humilhação causadas pela orientação e atuação falhas do Dr. João, ao efetuar uma renúncia abdicativa, e não translativa, mesmo sabendo da existência de um outro herdeiro (Pedro – filho havido fora do casamento). FUNDAMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA Responsabilidade civil subjetiva do advogado: artigo 32 da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) c/c 927, caput, do CC. ARGUMENTOS A SEREM ABORDADOS PARA CONFIRMAR A ATUAÇÃO FALHA DO ADVOGADO 1) São duas as espécies de renúncia, quais sejam: a renúncia abdicativa e a renúncia translativa. A renúncia abdicativa é aquela em que o renunciante não indica uma pessoa certa para receber a herança, havendo, portanto, uma renúncia “em favor do monte”, sendo as cotaspartes dos renunciantes recebidas pelos demais herdeiros da mesma classe e, em caso de inexistência de outros herdeiros da mesma classe, devolver-se-á aos da subsequente (artigos 1804, parágrafo único, c/c 1810, ambos do CC). Esta foi a renúncia materializada pelo Dr. João no caso acima. Já a renúncia translativa é uma renúncia “em favor de uma pessoa determinada”, independentemente da ordem de vocação hereditária. Trata-se de ato complexo e que corresponde a uma aceitação tácita da herança (artigo 1805, 2ª parte, do CC) seguida de uma doação (artigo 538, do CC) para a pessoa determinada, já que o herdeiro não poderia doar algo que não recebeu para alguém. 2) O Dr. João não procedeu de forma correta, pois efetuou, ao elaborar um termo de renúncia em favor do monte, uma renúncia abdicativa (em favor do monte) ao invés de uma renúncia translativa (aceitação tácita seguida de doação para Maria), já que até conseguiu evitar a configuração do imposto de doação, mas acabou prejudicando os filhos renunciantes de Manuel, pois, não havendo mais qualquer distinção entre os filhos havidos no casamento e os filhos havidos fora do casamento, Pedro poderá se habilitar no procedimento sucessório de seu pai, acabando por receber toda a herança de seu pai, ante a renúncia abdicativa de seus irmãos, que são irrevogáveis (artigo 1812 do CC), não havendo falar em transferência para as classes subsequentes diante da existência de filho não renunciante (artigo 1810 do CC), ficando Maria apenas com a sua meação diante do regime da comunhão universal de bens. 3) DANOS MORAIS E MATERIAIS ORIUNDOS DO MESMO FATO: FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DO ADVOGADO: Danos materiais no valor de R$ 300.000,00 que cada um deixou de receber da herança de seu pai, pois havendo 4 filhos e a herança sendo avaliada em R$ 1.200.000,00, cada um faria jus a R$ 300.000,00; danos morais causados pela dor, sofrimento, angústia e humilhação decorrentes da atuação falha do advogado, que ampliou a perda pelo ente querido com uma desestruturação familiar e possibilidade de perda de toda a herança e não efetivação da doação para a sua mãe em virtude da falha do advogado Dr. João. PEDIDOS A SEREM FORMULADOS (282 do CPC) 1) Citação do réu. 2) Condenação no pagamento de danos materiais no valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), para cada autor, pois havendo 4 filhos e a herança sendo avaliada em R$ 1.200.000,00, cada um faria jus a R$ 300.000,00, e danos materiais a serem arbitrados pelo Juiz para cada autor. 3) Protesto genérico de provas. 4) Valor da causa. 5) Condenação de honorários sucumbenciais. 6) Indicação da inserção de data e assinatura
Igualmente seria possível compor uma ação indenizatória, por meio da qual o examinando demonstrasse que o advogado deixou de ser proficiente no cumprimento do mandato que lhe foi outorgado, devendo ser responsabilizado pelo insucesso da orientação profissional. Nesse caso, usou-se como base no critério de correção a demonstração da falta de cuidado do Dr. João que importou na perda da chance de José, Joaquim e Julieta obterem tutela jurisdicional que os satisfizesse na medida de seus objetivos, o que era juridicamente possível. A pontuação foi conferida de acordo com a coerência e fundamentação apresentadas pelos examinandos que identificaram a responsabilidade contratual dos profissionais liberais, correlacionando-a a dispositivos que tratassem de atos ilícitos e obrigação de indenizar.
QUESTÃO 1 José iniciou relacionamento afetivo com Tânia em agosto de 2009, casando-se cinco meses depois. No primeiro mês de casados, desconfiado do comportamento de sua esposa, José busca informações sobre seu passado. Toma conhecimento de que Tânia havia cumprido pena privativa de liberdade pela prática de crime de estelionato. José, por ser funcionário de instituição bancária há quinze anos e por ter conduta ilibada, teme que seu cônjuge aplique golpes financeiros valendo-se de sua condição profissional. José, sentindo-se enganado, decide romper a sociedade conjugal, mas Tânia, para provocar José, inicia a alienação do patrimônio do casal. Considerando que você é o advogado de José, responda aos itens a seguir, empregando os argumentos jurídicos apropriados e a fundamentação legal pertinente ao caso. a) Na hipótese, existe alguma medida para reverter o estado de casado? (Valor: 0,5) b) Temendo que Tânia aliene a parte do patrimônio que lhe cabe, aponte o(s) remédio(s) processual(is) aplicável(is) in casu. (Valor: 0,5)
Gabarito comentado pela FGV: a) José descobriu, após o casamento, que Tânia praticou crime que, por sua natureza, tornará insuportável a relação do casal. Cuida-se de erro essencial sobre o cônjuge, podendo José propor ação judicial a fim de que o casamento seja anulado. Cabe, portanto, Ação Anulatória de Casamento, fundada no art. 1.557, II, c/c art. 1.556 do CC. b) A medida cabível será a Ação Cautelar de Sequestro, nos termos do art. 822, III, do CPC, a fim de proteger os bens do casal, enquanto tramita a ação principal. O examinando deverá mencionar que há presença de fumus boni iuris e do periculum in mora, elementos essenciais à concessão de medidas de urgência.
QUESTÃO 2 Tarsila adquiriu determinado lote íngreme. A entrada se dá pela parte alta do imóvel, por onde chegam a luz e a água. Iniciadas as obras de construção da casa, verifica-se que, para realizar adequadamente o escoamento do esgoto, as tubulações deverão, necessariamente, transpassar subterraneamente o imóvel vizinho limítrofe, de propriedade de Charles. Não há outro caminho a ser utilizado, pois se trata de região rochosa, impedindo construções subterrâneas ou qualquer outra medida que não seja excessivamente onerosa. De posse de parecer técnico, Tarsila procura por Charles a fim de obter autorização para a obra. Sem justo motivo, Charles não consente, mesmo ciente de que tal negativa inviabilizará a construção do sistema de saneamento do imóvel vizinho. Buscando um acordo amigável, Tarsila propõe o pagamento de valor de indenização pela área utilizada, permanecendo a recusa de Charles. Considere que você é o(a) advogado(a) de Tarsila. Responda aos itens a seguir, empregando os argumentos jurídicos apropriados e a fundamentação legal pertinente ao caso. a) Há alguma medida judicial que possa ser tomada em vista de obter autorização para construir a passagem de tubulação de esgoto? (Valor: 0,7) b) Considere que houve paralisação da obra em razão do desacordo entre Tarsila e Charles. Há alguma medida emergencial que possa ser buscada objetivando viabilizar a construção do sistema de saneamento? (Valor: 0,3)
Gabarito comentado pela FGV: a) O examinando deverá identificar que a legislação civil prevê que o proprietário deverá tolerar a passagem através de seu imóvel, entre outros, de tubulações e condutos subterrâneos de serviço de utilidade pública, na forma do art. 1.286 do CC. Cabe a propositura de ação de obrigação de fazer com base no art. 461 do CPC, fundada no art. 1.286 do CC. b) Sim, na medida judicial de obrigação de fazer, a legislação previu a possibilidade de concessão de medida liminar na forma do § 3º e seguintes do art. 461 do CPC, cabível multa pelo descumprimento da medida liminar. Outra medida judicial aplicável à hipótese é a concessão de tutela antecipada na forma do art. 273 do CPC, notadamente em seu § 3º.
QUESTÃO 3 Márcio Moraes Veloso, famoso perfumista, foi contratado para desenvolver uma nova fragrância de um perfume pela empresa Cheiro Bom. O perfumista criou a fórmula inspirado em sua namorada, Joana, e deu o seu nome ao perfume. Foi pactuado entre Márcio e a empresa Cheiro Bom que o perfumista jamais revelaria a fórmula da nova fragrância a terceiros. Contudo, objetivando fazer uma surpresa no dia do aniversário de Joana, Márcio presenteia a namorada com uma amostra do perfume e, por descuido, inclui na caixa anotações sobre a fórmula. Joana, acreditando que as anotações faziam parte da surpresa, mostra para todos os colegas da empresa Perfumelândia, onde trabalha. Dias depois, Márcio é surpreendido com a notícia de que a fórmula da nova fragrância havia sido descoberta pela concorrente. Considerando o caso relatado, responda aos itens a seguir, empregando os argumentos jurídicos apropriados e a fundamentação legal pertinente ao caso. a) Ao revelar a fórmula do perfume, pode-se afirmar que Márcio está em mora? (Valor: 0,5) b) Neste caso, pode o credor demandar judicialmente o cumprimento da obrigação cumulada com pedido de perdas e danos? (Valor: 0,5)
Gabarito comentado pela FGV: a) Não se poderá dizer ter havido mora, mas inadimplemento por tratar-se de obrigação de não fazer (artigo 390 CC). O inadimplemento da obrigação de não fazer evidencia-se quando o devedor pratica o ato proibido, sendo desnecessária a sua constituição em mora. b) Trata-se de obrigação de não fazer instantânea. Como não há possibilidade de restituir o status quo ante, não poderá o devedor ser demandado judicialmente a cumprir a obrigação de não fazer, cabendo tão somente a tutela ressarcitória (artigo 251 CC e 461, parágrafo 1º, do CPC).
QUESTÃO 4 João contrata você como advogado(a) a fim de representá-lo em determinada demanda judicial. Os termos são ajustados por contrato escrito, assinado por duas testemunhas, fixando-se o pagamento de 1/3 dos honorários em caso de revogação do mandato antes da sentença; 2/3, em caso de revogação após a sentença; e integral no caso de autos findos. O trabalho é realizado com zelo e proficiência, e o juízo julga procedente em parte o pedido autoral, compensando-se as despesas e os honorários de sucumbência. Na fase de cumprimento de sentença, o autor vem a óbito, deixando seus sucessores de constituí-lo como advogado. Considerando que você atuou exclusivamente naquele processo, entende que faz jus ao recebimento dos honorários contratuais. Com base no cenário acima, responda aos itens a seguir, empregando os argumentos jurídicos apropriados e a fundamentação legal pertinente ao caso. a) Em tal hipótese, qual medida judicial você poderá tomar a fim de receber os honorários contratuais? (Valor: 0,6) b) Qual deverá ser o procedimento adotado a fim de receber os honorários contratuais? (Valor: 0,4)
Gabarito comentado pela FGV: a) O examinando deverá identificar que a ação a ser ajuizada é a ação de execução pautada em título executivo extrajudicial, na forma do art. 585, VIII, do CPC c/c o art. 24, §1º, da Lei 8.906/94 (Estatuto do Advogado). b) A execução poderá ser promovida nos mesmos autos da ação em que o candidato atuou como representante processual de João, dispensando-se a habilitação de crédito no inventário, a propositura de ação de cobrança ou arbitramento de honorários de advogado. Entretanto, considerou-se a propositura de ações de conhecimento e monitória, mas, em tais hipóteses, o critério de correção buscou aplicabilidade à situação-problema, coerência e fundamentação legal consoante a medida judicial eleita pelo examinando.
QUESTÃO 5 Celebrado o contrato de compra e venda, Patrícia adquire um bem pagando 30% (trinta por cento) à vista e mais cinco notas promissórias de igual valor com vencimento no quinto dia útil dos meses subsequentes, dando como garantia seu único automóvel. Prestes a ocorrer o vencimento de segunda parcela, o vendedor Joaquim toma conhecimento de que Patrícia passa por problemas financeiros e está dilapidando seu patrimônio, tendo alienado o veículo dado como garantia. O credor procura Patrícia e exige que honre de uma única vez os valores devidos, mas a devedora não concorda com o pagamento antecipado. Com base no relatado acima, responda aos itens a seguir, empregando os argumentos jurídicos apropriados e a fundamentação legal pertinente ao caso. a) Há alguma medida judicial para que Patrícia pague a dívida antecipadamente? (Valor: 0,6) b) Qual deverá ser o procedimento a compelir o pagamento forçado? (Valor: 0,4)
Gabarito comentado pela FGV: a) O examinando deverá explicar que Joaquim poderá pleitear judicialmente o vencimento antecipado dos títulos, na forma do art. 333, III, do CC. Para tanto deverá propor ação judicial a fim de que a ré reforce a garantia do débito, caso em que, não o fazendo, incorrerá em vencimento antecipado da dívida. b) Caso, intimada, a ré deixe de reforçar a garantia, a consequência jurídica será o vencimento antecipado dos títulos, que se tornarão líquidos, certos e exigíveis, requisitos essenciais a promover a execução forçada nos termos do art. 586 do CPC. Em relação à correção, levou-se em conta o seguinte critério de pontuação: